25 outubro 2008

Quimo



Estou de volta à circum-navegação cujas rotas tão bem conheço, paredes do meu próprio esófago em queda autofágica, em movimentos peristálticos que me amassam sem deglutir-me, sem conceder-me a dissolução. Pilosidades marcam-me na epiderme cada passagem como se picasse o ponto, assegurando-se da minha pertença aos quadros vitalícios, sem promoção nem despedimento. Quimo viscoso que a garganta regurgita para engolir de novo, que nenhuma ementa previu e que no entanto.

22 outubro 2008

Hoje encontrei no caminho uma carta de amor

Hoje encontrei no caminho uma carta de amor.
Deslizei o meu dedo, com cuidado, sob a dobra do envelope e após o rasgão, retirei a folha. Desdobrei-a, cerimonialmente, e pousei-a no colo, até ter coragem de a ler. E se fosse tua? E se me dissesse que o meu chamamento é simétrico ao teu?
Li-a. Recebi dos olhos carícias líquidas por cada palavra escrita. Era tua. Mas não era para mim.

07 outubro 2008

guarda a espada príncipe valente
seu gume não chega
para desmantelar torres
e cravar-se nas bestas
às quais estou presa
pela raíz dos cabelos
eu cesso meu canto de aflição
para que regresses a casa
ileso
já chegaram os dias da feira popular
tenho a casa cheia de espelhos
sou a mulher barbuda e o anão
cubro as paredes de algodão doce
avanço pelo túnel dos horrores
danço valsas com esqueletos
uma festa para os vizinhos
sem precisarem de bilhete
eu sei que não devia
fazer tranças com as tuas palavras
que ao proferi-las não as destináste
ao trabalho dos meus dedos
mas prometo deixá-las soltas
para que em querendo
possas pegar-lhes de volta
nenhuma das pombas pousadas
no meu telhado tem serventia
a nenhuma posso pôr no bico
o que me alimenta o pensamento
e mandá-la em serviço postal

04 outubro 2008

não é justo que se reavive em mim
a vontade de descansar a espera
nuns braços
foram meses liberta de desejos
e agora
quem olha não diz
que há um incêndio lavrando-me as entranhas
tenaz e manso
e o corpo ardido é ainda
teu território
devia coser meus olhos
para não te verem
queimar a língua
com chocolate quente
afogar os suspiros agridoces
receita a deixar para o chinês
e se algum lugar do meu corpo
chamar por ti
espargi-lo com água das pedras
tornar-me n. sra. sem remédio