27 maio 2009

Chain

se há músicas que se tornam
bandas sonoras de um momento
a desta alvorada dentro da noite cerrada
acompanha o teu olhar que sem saberes
viria a fixar-me numa interrogação
num desafio o corpo deitado
a mão pousada os cabelos
à solta pela coberta
talvez só pose arrebato de fotogenia
mas gruda-se na memória

25 maio 2009

autópsia

preparo a banca que quero imaculada
as mãos desinfectadas e a língua
lambendo rasga o tórax
exponho o orgão no alvo móvel
o músculo de que o sentir é feito
desconheço o código morse
das suas batidas só sei que ecoam
não decifro mais que corporeidade

18 maio 2009

páscoa privada

finco os dedos nos cantos do livro
como se agarrasse as saias da mãe
sei que vou cair ao subir a escada
e tornar-me exposta à voracidade
do teu olhar que logo após desviarás
e embora aceite os teus braços
é só para deles me retirar expiada
a culpa por inortodoxos meios

por trás do sorriso

por trás do sorriso quem vê
as horas mudas murchando
quem tem longitude de braço
para contornar tanto vazio
que olhos suportam tanto cansaço
o brilho que se vai tornando baço
a lucidez implacável dos joelhos
caídos no chão e as mãos
que não se juntam em prece
descrentes do céu e do chão

que se me incendeiem as palavras

que se me incendeiem as palavras
que fiquem no seu estado bruto
sem eufemismos nem pejo
assumindo misérias e desejos
libertas das ilusões que dão asas
todas feitas de penas
sou chã e verdadeira

tell me why i don't like fridays

hoje é sexta-feira e dias vazios se aproximam
os móveis crescem, nas janelas não se passa nada
só para os bichos em idade de independência
é o calendário indiferente, regulados como são
pelo orgão mais premente no momento

10 maio 2009

cidade indizível

é tua a cidade
o rio que do alto me mostráste
as ruas pontuadas de casas
que outrora habitáste
sigo por dois caminhos
um pé sozinho à frente
outro acompanhando-te atrás
os olhos esses orgãos
de ver e de mostrar
não ocultam o rasto
de passos que sincronizámos
arrítmicos agora
descompassando-me o peito
continua verdade
aquilo que não te disse

07 maio 2009

às vezes as noites rebentam
pelas costuras e não sei
que fazer com os farrapos
restos de mim sobre a cama