25 dezembro 2007

At the Drycleaner's

went to the drycleaner the other day
there was bleach all over the place
no blood stains at sight
you couldn't tell there had been cuts
everything desinfected
everything obssessively white
that's why they're shuting down the place
and i won't be going there no more

02 novembro 2007

já quase me esquecia que os dedos
porque presa aos ponteiros ao largo
o dique da inacção retendo o fluir dos dias
todas as maravilhas por trás das pálpebras
fronteiras do abismo
mas agora como a cabeça os dedos
em almofadas que costuram sonhos
atrevida costureira

17 setembro 2007

O primeiro dia

Agarro a mão dele e não a largo até chegar à porta da sala de aulas. É o primeiro dia de escola. Ele sorri-me, para aquietar os meus medos. Eu dou-lhe um beijo, fingindo não estar assustada. A aula vai começar, todos os pais saem e eu com eles. O meu filho fica.

14 setembro 2007

se pudesse
fechava portas e janelas
cerrava punhos e dentes
enterrava lembranças
desdizia-me
ignorava o sentido
querido pelos meus pés
só para obedecer-te
mas tenho o peito rebelde

05 setembro 2007

Fim

o genérico
sem nomes
perdendo lugares
e datas
sem encores
sem apelo
sem perdão

03 setembro 2007

Ilha










na bolha

amortecedora

amniótica

sorvedora

final


25 agosto 2007

Dói-dóis e ui-uis, o peito em papa por me teres escorregado das mãos, gordurosas. Amor com unto, que queres? Não sei amar senão desastradamente.

16 agosto 2007

As palavras

gelatinosas
esverdeadas
zumbindo zombando
impunes imunes
pingando da língua animal
desidratando a escrita

venceram-me os olhos
pregados aos ditos azedos
teledirigidos
rasgando-me publicamente

10 agosto 2007

A tua mão

cinco dedos
uma palma
quentes
na minha coxa
afirmando posses
permutando prazeres

11 julho 2007

depois que entrançamos os braços
levo as mãos à cabeça
sem saber a quem pertencem
ideias e dedos

08 junho 2007

perdoa-me que não te perdoe

a ubicação do olhar

no meu aquém retina

o teu banho iniciático

nas cataratas dos meus orgãos

inflamando vistas

25 maio 2007

dor da construção

ah a azáfama do empreiteiro
com obra sempre por fazer
saias rodadas de tijolos
paredes com isolamento
projectos que não contemplam
janelas para as vistas desviadas
empreitadas despeitadas
oh a solidão do construtor

24 maio 2007

raspo
a golpes de esponja
os restos dos desejos
iníquos
clandestinos
por ser meu corpo
devotado à solidão

12 maio 2007

Lido

« (...) procura-se o inimigo com uma força inexplicável, nunca se procurou o amor assim (...) »

A Máquina de Joseph Walser, Gonçalo M. Tavares

11 maio 2007

Coisas de Mãe


O primeiro livro a percorrer o excitante trajecto dos olhos para a boca do meu filho.
Ele leu o livro e eu li-o a ele: o dedo que guia os olhos, as mãos que equilibram o objecto sobre o peito, a voz soletrada, o esforço nos músculos, nas cordas vocais tensas.

Luisa Morandeira, a partir de conto tradicional turco / Maurizio A. C. Quarello - OQO Editora

04 maio 2007

queria sugar-te
pelo dedo grande do pé
num sopro inverso
ao de um balão
- shhh!
pulmões famintos
esses pés fizeram-se
para andar

28 abril 2007

Por estes dias


faltar-me alguém é um luxo
quatro companhias rectas deverão bastar-me
mais outras duas planas
como principesco privilégio a escolha
de cores ou padrões
frutos bidimensionais flores estilizadas
círculos sem fundo
deixar que estreitem o seu abraço
fundir-me nelas

24 abril 2007


diz-me
também tens
sonhos domésticos
composições fotogénicas
de felicidade comercial
também te culpas
por fazeres parte das massas
por teres desejos
postos numa toalha aos quadrados
quereres ostentar
o teu melhor sorriso panfletário
ires dormir sem
te preocupares
com as traseiras das fotos
partilhar da ingenuidade
beatífica dos simples

10 abril 2007

páro
a queda do peito
- liquefeito -
à força de estaladas
sobre os calos das faces
já vem aí o meu silêncio
beijo-te agora as orelhas
de boca fechada
para que não tenhas de ser tu
a espantar-me com a tua surdez
coso eu a distância
para que não te piques
e não sangres
deixo-te feita a cama
para que sonhes
a todo o comprimento
sem que te enoveles
nas raízes dos meus cabelos
já tirei o banco da janela
libertei da minha língua os teus pés
para que sejam limpas
as pegadas que queiras
noutros chãos desenhar
tirei a roupa da corda
os as e demais letras
deixando as linhas em branco
ao dispôr do teu escrever

28 março 2007

parti
numa caçada ao ar
com uma arejada rede
de cativar borboletas

esquecida da rede
inflei os pulmões
de aéreas moléculas

agora
os meus mais concretos pés
de flagrantes calosidades
escorregam
em passos de desarticulada dança

24 março 2007

EU ESCREVO O MEU PRIMEIRO ROMANCE*

«O verdadeiro, o falso e o imaginário:

O romance não se opõe à realidade do mesmo modo que o falso se opõe ao verdadeiro ou a mentira à realidade. É mais subtil. O imaginário não é a mentira: é uma terceira ligação que não é nem mentira nem realidade, é o espaço do desejo que também participa na constituição da natureza humana. O desejo (...) não tem a realidade da vida verdadeira, mas sim a da verdadeira vida. Aquela a que aspiramos: o espaço das nossas potencialidades ainda não realizadas; não são da ordem da realidade realizada, mas das suas possibilidades virtuais.»
*Louis Timbal-Duclaux, Ed. Pergaminho, Lisboa, 1997, pp. 26 e 27

23 março 2007

It's definitely spring
and i'm definitely blue
and even if my colors
are no one's responsibility
I can't help longing
for a certain pink skin
to soften my days
and warm my nights

17 março 2007

doll tea party

como há muitos anos
sento nas cadeiras em roda
evocações da memória
invocações do desejo
entretenho conversas circulares
uníssonas
sirvo pródigos banquetes
a comensais satisfeitos
pela ausência de fome
de sede
de ser

Foto: Once upon a time in the long and bitter reality of a doll's tea party, originally uploaded by rattraitor

14 março 2007

sinto-me incapaz de mentir
elaborar fábulas para adormecer
tudo o que é real se me impõe

13 março 2007

viagem

tenho um colete alado
tricotado com as penas que me pingam do telhado
andei por aí espraiando asas
bebericando água oferecida pela cidade
desenhando rotas com poios brancos
artes de passaridade
pousei no guarda-sol de uma esplanda
só a ver-te estar

10 março 2007

agora é o momento
em que o pânico se instala
fronteira entre presente e futuro
prova real dos valores
a pedir resultados

07 março 2007





hoje sinto-me estragada
os esquemas lógicos já não funcionam
nenhuma racionalidade me satisfaz

quero que se apaziguem as emoções
que alguém estenda
telescopicamente o braço
e me afague o íntimo

Foto: broken flower, originally uploaded by rodrigo - Flickr

23 fevereiro 2007

17 fevereiro 2007

Amante

com toda a extensão
da minha pele oiço
o que a tua língua me diz
particulares declarações
de amor carnal
inscritos
no meu corpo
grafittis de saliva
proclamam desejos

08 fevereiro 2007






doem-me
todas as cadeiras vazias
à minha volta
o silêncio
nos meus ouvidos
as múltiplas ausências
que preenchem os meus dias

05 fevereiro 2007

(Quere-me)

não reconheço
à minha boca
o direito de dizer
o que no meu peito
peço baixinho

25 janeiro 2007

24 janeiro 2007



Procura um lenço, sim, um lenço. Tem de ser branco. Desdobra-o, segura-o por uma ponta. Isso. Ergue o braço, assim e move o pulso, só o pulso, agitando o lenço para cima e para baixo. Isso. Ela perceberá. Sim, percebe. Acena-lhe com o lenço branco que ela perceberá. Não tenhas medo, ela já viu muitos lenços, conhece-lhes a cor e a textura de perto. E assim fica dito.

23 janeiro 2007


a espera
sugou toda a humidade
das minhas madrugadas
agora
amanheço deserta

17 janeiro 2007

Calem-se todos os versos

quero ser
o corpo iletrado
o sentir analfabeto
a existência desalinhada
quero transmutar as vírgulas
em nacos de carne
lavar a língua
dos restos do dito

15 janeiro 2007


encavalito-me sem rédeas
no teu apêndice auditivo
levo-o a cavalgar
para prados de alperce
onde a relva é húmida
e se desfaz na boca
desço ao teu joelho coberto
por mil tentáculos sensíveis
mil cordas
do mais afinado instrumento
onde o teu ritmo
me embala
Foto: B.V. (pormenor)

13 janeiro 2007

Pedido indecente

esta noite preciso
que me ames
com amor imprudente
nem que o dizer seja mais longo
que o sentimento
que eu já te amo
com amor impotente

Traffic

Today I crashed
and as the fragments
scattered all over the floor
all the wrong turns
I've been taking
falled down on me
like acid rain
revealing
my lonely bones

Relato em Tom Maior


Passa um cumprimento para o colega de equipa, finta a individualidade, remata um encorajamento com a boca direita.
Esquecido da bola que tece voos próprios, arquitecta camaradagens.
Mais animado que um desenho, sonha golos metralhados numa condescendente baliza.

Foto: Maria Pragana

10 janeiro 2007

Menininha voa, voa, muito p'r'além de Lisboa


sopram-me nas asas de mansinho
como o ar quente num balão
já posso ir ver o mundo
depois que pousei na tua mão

que deixem as minhas asas
um rasto de cócegas macias
no braço que me estendeste
como quem diz para dançar
Deixa-me ver-te. Mostra-te, em surdina, só para mim.


retiro das minhas mãos
toda a precipitação
e faço-as tuas

guia-me
Foto: Maria Pragana


08 janeiro 2007

Hoje não vou escrever nada, está decidido. Não vou dar-me a lêr. Vou encasular-me num confortável silêncio, fechar todas as janelas que dão para fora e debruçar-me prazenteiramente nas que dão para dentro. Hoje sou toda minha.

Tic Tac Tic Tac Tic Tac Tic Tac Tic Tac

enquanto apodrecem os ponteiros
liquefazem-se as horas
pelas paredes gordurosas
da cozinha abaixo
embolorecem os dias
no escabroso calendário
que mede sem escrúpulos
as existências alheias

06 janeiro 2007

Tá na mesa

Posta na mesa, assusto-me com os teus passos que se aproximam: e se fores alérgico a um dos meus ingredientes?

05 janeiro 2007


se te choverem sapos
e não quiseres rega-los
com o húmus da tua boca
abre a janela
atira-os da secretária abaixo

Blogalizar por aí

já invadi todas as páginas
sinto-me indecente
cansada
do opiáceo voyeurismo
inconsequente
da virgindade histérica
das minhas palavras
do desencontro que encontro
do gosto a desgosto

Quero-te

inútil e desvairadamente
e já só me encontro
ao perder-me neste querer

04 janeiro 2007

Em mim

TU tu tu TU tu TU TU tu tu tu TU tu TU

03 janeiro 2007

de noite


quando os desejos se levantam
oiço o vento a cuspir lá fora
abotoo todos os poros
regulo o termóstato
da minha lava venal
para a temperatura ambiente
para fugir ao choque térmico

touch/shout


Foto: Maria Pragana

02 janeiro 2007

Os meus olhos ora abrem ora fecham


Publicado por Provedor do Leitor
Fotos: Maria Pragana

ainda que não possas lê-lo
ainda que ao chegar o tempo
este sítio tenha sido varrido
venho aqui sorrir-me
e sim babar-me
como é ridículo direito
de qualquer mãe
com a lembrança
do teu contentamento
saltitante
cobrindo cada centímetro
de existência
de refrescante entusiasmo
Foto: T.A.